domingo, 22 de março de 2015

A pior notícia da minha vida

E nunca pensei que o chão saísse debaixo dos meus pés com tamanha velocidade. Recebi a pior notícia da minha vida, tirou-me tudo - o ar, a esperança, o sorriso. A pior notícia das nossas vidas levou de nós a alegria e obrigou-nos a enfrentar um touro terrível, literalmente pelos cornos. 

A pior notícia da minha vida ainda não foi a pior de todas. Anunciou que se aproximarão os piores e mais frios tempos até hoje. Anuncia que chorei ao ouvi-la, mas muito mais chorarei quanto toda esta viagem acabar. 

A minha avó tem 85 anos. E aos 85 anos enfrenta o segundo cancro. Este é praticamente terminal, alojou-se no pâncreas. Agoniante. Triste. Mortífero. Vai levar a minha avó sem me dar justificações, ou tempo para lhe dizer tudo o que quero.
A minha avó tem 85 anos e é a rainha dos meus olhos desde que me chamo Mafalda; fez de mim uma princesa e não merece isto que enfrenta.
A minha avó tem 85 anos e nunca me doeu tanto escrever alguma coisa. Aos 85 anos ela enfrenta um touro enorme, feio e gigante, pelos cornos, como boa alentejana é. 

Mas a minha avó tem 85 anos, nasceu em Évora e vive há mais de 50 anos em terras lisboetas, nunca deixando que o Alentejo lhe saia da alma. 
Conta-me como há muitos mais de 40, o meu avô ficou com esta casa porque não tinha duas portas, como ele corria ao ouvir o autocarro passar e acenava um até já.
Conta-me como dava uma moeda ao meu irmão e ao meu primo para apanharem o comboio e irem passear. Eram miúdos, e miúdos são. Hoje com 32 e 37 são os meninos da minha avó. 
Recorda-me de passear comigo S. Pedro fora, comigo pela mão, irrequieta de vestido rodado a brincar com as flores que ia encontrando pelo caminho. 
Brinca comigo, eu tenho 23 anos e a minha avó ainda brinca comigo. Ela é a minha rainha por tudo isto. Ainda brinca comigo.

A minha avó é filha, esposa, mãe, avó, é bisavó. É mulher, e é sem dúvida uma das mulheres da minha vida. A minha avó faz jus ao real significado da palavra avó, como dá a todas as outras características que preenche.

A minha avó tem cancro e o médico deu-lhe três meses de vida com qualidade. A minha avó não vai ver a minha carreira profissional, o casamento, os miúdos. Não me vai ver ensinar aos outros, todos os valores que ela me incutiu a mim.

Nunca me doeu tanto, nunca nada me consumiu desta forma enquanto abre um vazio desta dimensão. A minha avó tem cancro e eu, nós, não podemos fazer nada.

Só quero que saibas, tu avó, que te amo com todas as minhas forças - que não vou deixar que partas sem te repetir isto até te irritar. Que até ao dia em que receber a pior notícia da minha vida, vou aproveitar todos os bocadinhos de ti que tens para me dar. 

Obrigada avó, por seres minha avó. Agora vou só ali arranjar-te as mãos enquanto nos rimos com histórias de outros tempos.
Obrigada avó, por seres minha avó.

Beijo,
Mafalda

Avó: http://demasiadaspersonalidadesnumso.blogspot.pt/2013/04/avo.html

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