20/08//2015 - Acamada, doente terminal de cancro no pâncreas:
Gostava de te dar um abraço,
sabes? Gostava de te dar um abraço e sentir a tua força de volta, o teu
conforto. Dou-te um abraço, mas não te sinto a ti. O cancro levou-te de mim,
mas pior, a doença levou-te de ti. Estás aqui, eu abraço-te, sinto-te o calor,
a voz baixinha da qual tenho saudades; mas não te sinto a ti. O cancro levou-te
de ti, de mim, de nós.
Gostava que a vida e a morte me
permitissem ter-te para sempre, para viver um amor tão diferente de todos os
outros, tão nosso. Um amor tranquilo. Tão tranquilo. Nunca houve discussão, parte
certa ou errada. Tu és a avó, eu a neta. Tu dizes, eu acredito. Nunca houve
lugar a desentendimento, tu és sapiência. Eu pedia, tu aconselhavas, olhavas,
nunca julgavas.
Só te
queria dar um abraço e sentir o teu abraço de volta, sentir o teu sobressalto
de felicidade. Um abraço teu, avó. Sei que choro hoje ao debitar tanta palavra,
porque sei que te tenho mas tu não te tens. Gostava que a vida e a morte
percebessem que preciso de ti todos os dias da minha vida. E que vou precisar.
Hoje, sempre, para sempre. Preciso do teu abraço, de ser egoísta e pedir o teu
colo. Preciso de ti, do teu amor; do nosso amor tranquilo e transparente. Tu és
a avó, e eu sou a neta. Preciso de ti, avó.
07/12/2015 - A primeira vez que lhe escrevi depois de partir:
Morreste. Foda-se. Morreste. Tenho
saudades tuas e não há dinheiro de viagem que a mate.
- Todos os dias penso na avó. Tu
também?
“Toma 10€, vai dançar”
“Com o tempo, o tempo acalma
tudo”
“O teu irmão?”
“Obrigada, neta”
Fizeste de mim a neta mais feliz
do mundo. E o mundo podes ser única e exclusivamente o meu mundo. Ensinaste-me
a ter um mundo só meu. Com calma e paciência. É nesse mundo que te tenho a
descansar avó. Naquele que é só meu, que
só eu conheço. Que tu me ensinaste a ter. É aí que estás.
É Natal. Estamos em Dezembro. É
Natal, e é o primeiro Natal que vivo sem ti. Hoje são quase 3 meses, todos os
meses serão um mês, e cada ano será um ano. Não sei eu como
será este Natal. Eles lembram-se do dinheiro que lhes davas para o bilhete de
comboio, eu lembro-me do bilhete ser picado. Lembro-me dos passeios, da ria que
perguntei sempre o que é.
Hoje lembro-me de ti com um
sorriso. Ainda não verti uma lágrima. Lembro-me de ti saudável, linda, vaidosa,
arrumada, cautelosa, avó.
Hoje é dia 7 de Dezembro. Por
esta hora já terias ligado ao João, que faz hoje 33 anos. A conta que o teu
Deus fez.
Amo-te.
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